quinta-feira, 5 de maio de 2011

A Fortunato, intensamente amado e injustamente assassinado.

Querido Fortunato,
Foi com grande pesar que recebi a notícia de seu emparedamento. Depois de tudo o que passamos juntos, das noites mal dormidas que passei por ti, agora isso. Seu falecimento me pesa mais pela hora inoportuna do que pelo próprio fato em si. Confesso que nesses últimos dias desejei ardentemente eu mesma te emparedar, sufocar, esfaquear. Mas Montessor foi mais rápido. Eu sim teria razão para ato tão desesperado!

Quando soube do ocorrido foi impossível não pensar em nosso primeiro beijo. Lembro da conversa que encerramos com ele, era sobre algumas tolices feitas na juventude, claro frutos da pouca idade e de muito álcool. Lembro que simulou ver alguma coisa em meu pescoço e depois me beijou. Impossível não me remeter à sensação de seus lábios nos meus. Impossível não recordar da alegria que seus abraços me propiciaram. De como sua companhia me foi agradável e prazerosa. 

Difícil também esquecer os dias que se seguiram, nossas conversas, cartas, suspiros. Lembro dos dias em que esperava você nas ruas e sempre te encontrava. Naquela época sempre estava lá.

Depois de passados uns minutos da notícia, me veio à lembrança a última vez que nos encontramos. Sua aparente felicidade em me ver, seu sorriso. Seus abraços, no entanto, já não eram mais os mesmos, e seu beijo já havia se deslocado da boca para a face. Nesse momento fúnebre posso ver seus olhos naquele maldito dia em que percebi que a centelha havia se apagado. Em seguida ao sentimento de abandono veio o ciúme. Você com tantas mulheres ao seu redor, no carnaval mulheres lindas, confesso: muito mais do que eu. Aquele soco no estômago da minha auto-estima, aquela facada no meu coração. Gostaria de te agradecer por isso, há quantos anos não sentia ciúme? Nem posso me lembrar. Senti-lo fez-me entender tanto do que vivi tempos atrás. Obrigada, Fortunato.

Queria te agradecer também pelo terceiro momento pós sua morte que vivi. O mesmo instante em que descobri que me apaixonei inexoravelmente por ti e que, por conseqüência, estava viva! Depois de todas as auguras que passei, estava viva de novo! Pena que você já estava morto a essa altura da história. 

Por último lembrei porque fui abandonada naquela manhã, naquela rua. Lembrei que quando me entreguei pra você, entreguei também meu destino, nosso destino e que você sem arrependimentos jogou tudo no lixo. Ah, essa recordação da noite que passamos juntos é que me enraivece contra Montessor! Como pôde ele adiantar-se a mim? Maldito Montessor! Maldito vinho! Maldito você, Fortunato!

Enfim a história não pode repetir-se. Então, contento-me com as lembranças. Contento-me com tua morte e fico feliz que sofreu, amargurou, asfixiou-se naquela parede fria, cheia de salitre. Só entristeço quando penso o quanto poderíamos ter sido, o quanto seríamos de fato caso você não tivesse me tratado como um pedaço de pano rasgado que se joga fora por mal uso. Entristeço quando penso em você e na enorme paixão que ainda queima em minha alma. Entristeço porque triste ainda ficarei por tanto tempo, lembrando de teus carinhos, de teu beijo, dos seus pêlos, do cheiro e gosto que senti ao seu lado.

De nada adianta agora, você naquela parede, morto. Eu aqui nessa janela, viva. Longe de ti, vivo.

Boa noite e morto permaneça!
Com carinho e saudades,

Trícia.

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